Diz a lenda que na Itália Medieval, nas despedidas, as pessoas acenavam e diziam “se no vi vedró piú, buona morte”, em tradução livre, “se não nos vermos mais, tenha uma boa morte”.
Hoje tal despedida seria encarada como uma desagradável quebra de etiqueta. Em casos mais extremos, seria uma ofensa. “Você está desejando minha morte?!”
Nonsense.
A indesejada das gentes é a única certeza da vida. A Morte é inescapável e democrática. Desejar uma boa morte é, em última instância, um dos melhores desejos a alguém.
Obviamente, uma “boa morte” é algo que não tem uma definição muito fácil. Ulisses Guimarães pedia (talvez brincando) que ninguém fizesse de seu sepultamento um show e teve seu desejo realizado. Alguns gostariam de morrer de repente, de surpresa. Outros gostariam de se preparar e se despedir dos entes queridos, “atando as pontas soltas” deixadas. Para alguns a dor é preocupação, para outros não.
A definição do que seria uma boa morte é variável, pois depende do que é uma boa vida, e uma boa vida está diretamente relacionada à Beleza, enquanto o efeito de elevação da Alma ao qual Poe se refere.
A natureza talvez paradoxal da Magia é que ela te prepara para a Morte. Existem dezenas de atitudes mais eficientes para uma boa vida do que as práticas mágico-religiosas. Atividade física, disciplina, estudo, trabalho e terapia são atividades que gerarão efeitos mais claros e concretos do que a grande maior parte das práticas religiosas, se a meta é a resolução de qualquer problema na Vida.
A busca do Grande Mistério, do Conhecimento da Alma Humana, da Alquimia, do Misticismo, da Iluminação, ou qualquer outro nome para o que quer que aconteça quando a respiração abandona o peito, é um treinamento para a Alma. E o nascimento de uma Alma é coisa demorada, não é partido ou jazz em que se improvise, não é casa moldada ou laje que suba fácil, a natureza da gente não tem disse-me-disse.
Paradoxalmente, ou nem tanto, o resultado do preparo para uma bela morte é também uma bela vida. Talvez por serem faces de uma mesma moeda, talvez porque a Vida raramente é feita de peças independentes (como tijolos de uma casa), mas frequentemente é um todo inter-relacionado, talvez porque a mais pura verdade é que a verdade raramente é pura, lembrar-se da morte é lembrar-se da vida.
Memento Mori, lembre-se da Morte, e trabalhe para que ela lhe seja boa, pois o caminho para uma boa morte passa por uma boa vida.