Sobre Vida, Morte e Magia.

No fundo, existem apenas duas preocupações justas: Viver e Morrer.

Impossível esquecer da lenda (pois não busquei de confirmação) de que os antigos italianos se despediam com “Se non vi vedró piú, buona morte”. “Se eu não mais te ver, boa morte.” Parece tétrico ou maledicente, mas, em verdade, é um dos desejos mais nobres que alguém pode fazer: “Que você morra em paz, cercado daqueles que ama e com a sensação de dever cumprido.” Amém, Shelá.

Obviamente, a “boa vida” e a “boa morte” são conceitos extremamente variados. Ganhar seu primeiro milhão antes dos 30 e enfartar antes dos 50 pode ser uma boa vida e uma boa morte a várias pessoas. Batalhar por anos contra um câncer enquanto assume a prefeitura da maior cidade do país em meio a uma das maiores crises sanitárias dos últimos 100 anos pode ser uma boa morte para outros. A única regra, acho, é que você nunca vai se sentir saciado de alguma coisa que você não quer.

No meio do caminho, pessoas erram e acertam, individual e coletivamente. As décadas de 90/00 foram duas décadas em que o “faça o que você ama” foi repetido à exaustão. A década de 10 é a década onde milhares de pessoas “não entendem” como elas podem ter um doutorado em Línguas Semíticas Pré-Abrâmicas e estar trabalhando de Uber. Talvez, esta seja uma geração que descobriu que o Desenvolvimento é território de Júpiter, e não de Marte, porque mais importante do que fazer força é saber para onde se quer ir.

No meio do caminho, o espírito do nosso tempo caminha pela Magia, timidamente, começa a abordar questões como dinheiro, carreira e trabalho, e um território espinhento surge. A Magia buscando uma melhoria de vida, com frequência, se torna desagradavelmente adjetivável. Magia Negra, Magia Egóica, Magia “Não Essencial”, Magia Arbitrária ou qualquer outro eufemismo para evitar a palavra que tão facilmente identificaria essas práticas: “Magia Pecaminosa”.

Sim, “Magia Pecaminosa” não pode ser um termo usado. E não pode porque a palavra “pecado” é associada ao catolicismo, e nada pode ser tão ruim e errado quanto o catolicismo. Devemos tirar do catolicismo as roupas católicas e cobri-lo com mantos new age, robes místicos ou guias de orixás e inventar palavras novas para continuar repetindo a mesma ladainha católica: arrependa-se, sofra, ore, abnegue-se, pois apenas sendo miserável em vida você alcançará o reino dos céus.

O ser humano trabalhou séculos pra mutilar diversas religiões e construir um híbrido com o que de pior existe em cada uma delas, tal qual um Frankenstein Filosófico. E, tal qual no livro, Frnakenstein é o monstro, não a criatura.

E, enquanto os ditos magistas modernos bradam os arrotos de um banquete católico (jurando de pés juntos que viram, mas não provaram, provaram, mas não comeram, comeram, mas não gostaram) os Magos clássicos eram muito menos pretensamente virtuosos do que os modernos.

Thales, filósofo grego, “estudou as estrelas” e previu que a próxima estação seria de chuvas fortes. Com isso ele alugou com exclusividade todos os moinhos de azeitonas e, na próxima safra, recorde, todos os produtores de azeite de Athenas tiveram que sublocar dele os moinhos. Obviamente, estudar as estrelas se tratava de Astrometereologia e, obviamente, ele sublocou os moinhos com lucro altíssimo e fez fortuna. Como resultado, ele foi considerado maldito e odiado. Mentira. Ele foi chamado de “Um dos Sete Sábios de Atenas”.

Os Alquimistas buscavam incessantemente três objetivos: transformar chumbo em ouro, a cura de todas as doenças e a vida e juventude eternas. Objetivos muito concretos. Obviamente, hoje em dia fala-se muito que esses objetivos eram “simbólicos” e que a realidade buscada era espiritual. Bullshit.

Em primeiro lugar, eles viveram durante a inquisição. Muito do que era dito PRECISAVA ser escondido para que seu autor não fosse jogado na fogueira. Pedro D’Albano foi torturado pela inquisição e, notoriamente, seu Heptameron (ou Quarto Livro de Filosofia Oculta) se refere como “Anjos” a criaturas nada angelicais. John Dee, provavelmente, seguiu o mesmo caminho. Acredita-se que Agrippa não é o verdadeiro autor dos Três Livros de Filosofia Oculta, mas os recebeu de seu mestre para serem publicados porque era muito mais bem relacionado com a aristocracia e isso o protegeria da Inquisição.

SE os Alquimistas quisessem esconder alguma coisa, eles não esconderiam uma virtude católica dentro de uma mensagem que os jogaria na fogueira, mas o contrário. Não há nenhum motivo para falar que “buscar a vida eterna” na verdade é “a busca pela Vida Espiritual no reino dos céus” quando falar esta última os protegeria muito mais do que falar aquela primeira. Transformar o chumbo em ouro não é transformar o “egoísmo em virtude”.

A respeito da repetição exaustiva que transformar chumbo em ouro significa transformar egoísmo em virtude, porque o chumbo é o metal mais denso e o ouro o mais nobre, isso é outra bullshit repetida à exaustão. Em primeiro lugar, ouro é mais denso (19,3 g/cm³) do que o chumbo (11,34 g/cm³). Em segundo lugar, Paracelso menciona em seu “The Hermetic and Alchemical Writings” que os alquimistas procuram transforma chumbo em ouro porque o chumbo, por ser o metal de Saturno, é o mais elevado, contendo em si todos os outros metais. Portanto, é o metal mais fácil de transmutar.

A ladainha new age de que transformar “chumbo em ouro” é transformar “egoísmo em virtude” é burra do ensino médio à idade média.

A Astrologia não nasceu para falar da personalidade do consulente, mas para analisar as safras e estações.

O Shamanismo tem uma vertente extremamente prática de cura de doenças.

A Magia nasceu para resolver problemas concretos. A Magia nasceu para permitir que as pessoas vivam uma boa vida e morram uma boa morte. Tirar da Magia “a boa vida” e deixar ela apenas com “a boa morte” é aleijá-la com arrotos mal digeridos de Cristianismo. O Cristianismo deve ficar na Igreja, porque lá, pelo menos, a salvação se alcança com muito mais facilidade.

Os Magistas Modernos pretendem ser mais virtuosos que os Magos Antigos sem alcançar um terço dos resultados destes. Talvez isso seja uma relação de causalidade, não de correlação.

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2 respostas para Sobre Vida, Morte e Magia.

  1. Klisóstom diz:

    Ótimo texto!

    A leitura foi difícil. Se pudesse resumir a principal ideia em um parágrafo, qual seria?

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