Sobre “Amen and Awomen”.

Para quem não sabe, um congressista norte-americano encerrou a oração de abertura do congresso dizendo “amen and awomen”, entendendo que “Amen” seria uma expressão machista, porque “men”, em inglês, significa “homem”, devendo haver também a palavra “Awomen”, para honrar as mulheres (“women”).

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Eu, normalmente, creditaria tal frase à malícia.

O Brasil não é pouco famoso por ter congressistas que capitalizam em aparente estupidez. Pessoalmente, eu creio que uma parte muito grande disso diz respeito a distrair a atenção das pessoas que acham que a coisa mais importante do mundo é a proporção de popôs por pipis num relacionamento.

Porém, a regra é não atribuir malícia ao que pode ser explicado pela estupidez (esta é muito mais comum que aquela). Provavelmente o representante daquele povo, simplesmente, é burro e acha que a raiz de “Amen” é anglo-saxônica e é “men”.

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Diversas pessoas apareceram para corrigir e explicar que a raiz de “Amen” é Hebraica, e significa “assim seja”.

Embora eu não tenha a autorização (ou carteirada) pra corrigir ninguém, eu tenho um blog e uma bibliografia, o que me autoriza a falar o que eu bem entender. Decidi, portanto, tirar meus anos de hebraico do armário e falar sobre o “Amén”.

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A primeira coisa necessária para se entender o hebraico (e descobrir que “Amén” não significa “Assim Seja”) é entender que o hebraico é uma língua “radicular” (péssima tradução, admito).

As palavras tendem a ser derivadas de uma raiz que usa três letras. Dessas três letras você deriva substantivos, verbos, advérbios, etc. Por exemplo, a raiz Kaf-Tav-Veit (כתב) pode dar origem às palavras escrito, escrever, repórter, escritor, carta, etc.

Obviamente, isso não funciona com as palavras modernas. Tet-Lamed-Phei-Vav-Nun (טלפון) significa “Telephon”, Telephone. O Hebraico é uma língua reconstruída, portanto, existem as palavras antigas, as palavras derivadas das palavras antigas e as palavras novas, tomadas de outros idiomas, como em todas as línguas.

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Para procurar o que significa a palavra “Amén”, portanto, é necessário buscar a raiz Aleph-Mem-Nun.

O problema é que “Aleph-Mem-Nun” é, em si, uma raiz. E ela não possui outro significado no texto bíblico que não o encerramento das orações.

Ainda a título gramatical, o verbo “Ser” não existe no presente do indicativo em hebraico e, a raiz do verbo ser, no pretérito imperfeito é “Iud-Heh-Iud” (יהי) ou “Iahi”, de onde derivam algumas conjugações e nomes, como Iahô (יהוה) “Eu sou aquele que está sendo”, e “Eheieh” (אהיה) “Eu Serei”. Interessante perceber que o hebraico não possui o verbo Ser no presente do indicativo (Aquilo que é, já terminado) e que D’us se apresenta como um processo (“Eu sou aquele que está sendo” e “Eu serei”, pois D’us é vivo e em processo).

Como é meio óbvio, Aleph-Mem-Nun não tem nenhuma correlação Iud-Heh-Iud.

Amén, portanto, deve ser uma palavra de outra raiz, oriunda de algum dos povos vizinhos com quem os Hebreus tiveram contato.

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Os Egípcios (cuja escrita, tal qual o hebraico, não representava vogais) cultuavam, dentre outros deuses, AMN, Amon, cuja tradução literal seria “O Oculto”.

Amon teria sido um deus local, cultuado em Tebas, membro da Ogdoada,  que teria sido fundido a Rá, o Deus Sol, tornando-se Amon-Rá.

Pessoalmente, uma vez que Amon-Rá pode ser traduzido literalmente por “Sol Oculto”, “O Sol por trás do Sol” ou “O Deus por Trás do Deus”, explicação que teologicamente me agrada mais, prefiro entender que não houve uma fusão de deuses, mas de Panteões. Amon e Rá não deixaram de ser Amon e Rá para se tornarem Amon-Rá, mas O Oculto se encontrou com O Sol e, enquanto este permaneceu sento O Sol, aquele se tornou O Oculto por Trás do Sol.

A esse respeito, a Wikipedia e O Livro dos Mortos possuem muitas informações interessantes. Destaco do Livro dos Mortos (pág. cxxvi), em tradução livre:

O Deus Amon, sua esposa Mut, e seus associados Khonsu não têm nada a ver com este livro dos mortos, mas Amen, o primeiro membro desta tríade tebana precisa ser mencionado junto aos outros deuses por ser muitas vezes identificado com um ou mais destes. O nome Amen significa “O Oculto” a fundação de seu primeiro templo historicamente tem referência em Thebas (…). A concepção que os Tebanos tinham de seu deus como um deus do submundo mudou quando passaram a identificá-lo com Rá e a chamá-lo de Amon-Rá; e, genericamente a partir da XVIIIª Dinastia em diante, ele passou a ser a personificação do mistério criador e mantenedor do Universo, que de forma material era tipificado como O Sol. (…) Dentre outros títulos, Amon era chamado de “O Único” com a adição de “Que não possui próximo”, sendo impressionante que os egípcios tenham concebido um deus que não possuía parecido ou igual. Olhando para as palavras egípcias de forma simples, parece bem preciso que os egípcios, ao declararem que o deus deles era Um e sem igual, tiveram a mesma ideia que os judeus e muçulmanos ao declarar que seu deus é “Um e Sozinho”.

Seria possível, portanto, que AMN seja o “Deus Único e Oculto”, que seu culto tenha surgido e se desenvolvido na região, sobrevivido em meio aos judeus após sua mitológica libertação do cativeiro por Moisés? Este Deus Oculto dos Egípcios teria se tornado o D’us dos hebreus, do qual não se deve ter imagens ou formas?

Esta tese, obviamente, ofende a tradição judaica e o mito contado na Tanach e, formalmente, não pode ser admitido por judeus, cristãos ou muçulmanos.

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Ao final dos Salmos, que são cantos de louvor a D’us, com frequência, se encerra com a locução “Amén Seláh”. Ninguém possui uma etimologia precisa de cada uma dessas expressões, isoladamente ou em conjunto.

Acredita-se que Amén signifique “Assim Seja” (e como já mencionado, duvido muito) e que Seláh (סֶלָה) signifique “Uma Pausa”, sendo uma instrução para o canto.

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Selá (סֶלָה) é sonoramente semelhante a Selá (שלה) (Samech e Shin podem ter o mesmo som).

Selá (שלה) porém, é uma “declinação” do possessivo “Sel” (של), significando, novamente em tradução livre (e salto de lógica), “Para Ti”, “A Ti” ou “Para Você”.

Eu traduzo “Amén Selá”, portanto, como uma destinação: “A Ti, Deus Oculto”.

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Existe apenas um pequeno porém a esse respeito.

Em hebraico, a construção do feminino se dá com a aposição do sufixo Heh (ה) em toda a língua (Chatul-חתול-Gato, Chatulah-חתולה-Gata), exceto em uma notória exceção: o pronome da segunda pessoa do singular Atah (אתה), que é a segunda pessoa do singular masculino, e At (את), que é a segunda pessoa do singular feminino.

Eu creio que essa mudança se deu com a transição do matriarcado para o patriarcado no judaísmo. Sendo o judaísmo uma religião baseada num texto poético sagrado (com rima e sonoridade) não se pode mudar o som sem se mudar o texto.

Como não se pode mudar o som, se mudou a gramática, para que a Deusa passasse a ser o Deus (algo muito bobo hoje, porque entende-se que D’us não tem gênero, mas na época, quando um grupo oprimido desejou tomar a posição do opressor, foi importante).

E onde essa inversão de gêneros entre Atah e At é importante no que foi discutido até agora?

Simples.

Aleph-Mem-Nun (אמנ) é uma das formas do substantivo “Mãe”. A Raiz “Mãe”, portanto, está presente em “Amén”, sugerindo que Amén é a “Grande Deusa Oculta Mãe do Céu”, par do “Pai da Terra” em alguns lugares no Egito.

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Resumindo?

Amén é o nome da Deusa Oculta do Céu, que sobreviveu à queda do Egito dentro do culto Judeu. E já é feminina. 😉

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Uma resposta para Sobre “Amen and Awomen”.

  1. Klisóstom diz:

    Que conclusão espetacular!

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