Da Via Rebellium – Um Ensaio sobre Alquimia e Astrologia – Parte II.

No texto anterior, falei um pouco do modelo cosmogônico astrológico (ou pelo menos do modelo cosmogônico mais conhecido da Astrologia Tradicional) e, agora, pretendo falar um pouco sobre o modelo filosófico alquímico e sua relação com a astrologia.

1) A Tábua Esmeralda.

O texto mais importante sobre Alquimia é a Tabua de Esmeralda, atribuída a Hermes Trismegisto, que foi primeiro documentada em 650 D.C.

A atribuição de um texto a uma figura lendária (Hermes Trismegisto, Homero, Sócrates ou o Espírito Santo, por exemplo) normalmente significa que ele é fruto de uma composição coletiva ou egregórica. É muito improvável que D’us tenha escrito em placas de pedra regras de convívio humano, mas é muito compreensível que pessoas tenham canalizado mensagens egregóricas.

A Tábua de Esmeralda é um texto críptico e simbólico, mas é possível destacar alguns versos mais claros extremamente relevantes para a Astrologia e para a Alquimia.

2) O Verso 2.

Verso 2: Aquilo que está acima é como aquilo que está abaixo, e aquilo que está abaixo é como aquilo que está acima, até perpetrar as uniões milagrosas das coisas.

O verso dois (que no início do século XX foi repetido na obra Kybalion, escrita por William Walter Atkinson sob o pseudônimo de “Os Três Iniciados”, como “Princípio da Correspondência”) afirma que existe analogia entre “aquilo que está acima e aquilo que está abaixo”, ou, na mitologia Cristã “assim na Terra como no Céu”.

Primeiramente, esse é o fundamento filosófico da Astrologia: por correlação e sincronicidade, aquilo que ocorre na Terra é assim como aquilo que ocorre no Céu.

3) O Verso 4.

Verso 4: O Sol é o Pai, a Lua é a Mãe, o Vento carregou em seu ventre e a Terra é a Nutridora.

O Verso 4 traz a representação simbólica do processo de composição da Alma Humana.

O Sol é a representação na Criação do Criador fora da Criação e, como tal, ele é o doador da fagulha divina que anima os seres humanos. Nas Ordens Thelêmicas tal centelha divina é chamada de Thelema ou Verdadeira Vontade, na Teosofia ela se chama Corpo Mental Concreto, em outras tradições ela se chama Alma, e é a fagulha indestrutível e eterna com a mesma natureza do Sol e do próprio Criador.

A Lua, por sua vez, é a doadora do Corpo Emocional, ou Corpo Astral ou Espírito. Para ser mais preciso, ela, após receber a Alma do Sol, lhe dá a substância espiritual que futuramente permitirá que se agregue o Corpo Físico.

Após a União da Matéria Solar com a Matéria Lunar a Terra é a Nutridora, permitindo que tal casamento ganhe corpo e manifestação.

4) Os Versos 7 e 8.

Versos 7 e 8: 7) Separe a Terra do Fogo, o Sutil do Espesso, suavemente e com grande engenho e 8)Sobe da terra para o Céu e desce novamente à Terra e recolhe a força das coisas superiores e inferiores.

Os Versos 7 e 8 narram o processo de purificação alquímica da alma, na qual a fagulha divina circula (essa palavra é importante) no ciclo reencarnatório da Terra ao Sol até que ela una as coisas superiores e inferiores, sem impurezas.

Tal processo parte de alguns pressupostos relevantes, e o primeiro deles é que existem impurezas que precisam ser removidas da natureza humana. Impurezas, nesse caso, possui natureza muito pontual: é qualquer coisa estranha à própria alma. Essa é a natureza do Pecado Original: a Mãe (Eva) pelo desejo de conhecer aquilo que não diz respeito à sua natureza, experimentou o fruto proibido e perdeu, com isso, a pureza reservada à humanidade no Paraíso.

Por outro lado, essa purificação ocorre na Obra Solar (Verso 15), em que o Sol purifica o Ser Humano com Fogo. Provavelmente essa é a origem do mito do Inferno. O Sol queima os “pecados” (aquilo que não corresponde à natureza da Alma). Quem aceita “O Cristo” (a Alma) é ganha a oportunidade de redenção e quem se apega aos pecados “queima eternamente”.

Nesse aspecto, portanto, é elemento central o caráter mutável da Alma Humana, avesso a qualquer forma de apego, e que “pecado” não é colocar um pipi em um popô ou um casamento com dois pipis ou dois popôs, mas sim algo muito mais sério e simples, associado à Verdade Individual. (E peço desculpas pela reductio ad absurdum. Espero que se você está lendo até aqui você não precise dela).

5) Considerações Metafísicas sobre a Alma Humana.

As religiões ocidentais sugerem que o Universo foi Criado pelo Criador que está do lado de fora do Véu das Estrelas Fixas e que o Ser Humano é composto de uma parcela Terrena e uma parcela Divina. Não à toa o mito semita do Gênesis fala que Adão foi criado de Barro (Terra e Água) e do “Sopro Divino”.

A Alma, que possui natureza semelhante ao Sol, ao passar pela Lua ganha Corpo Espiritual, que agrega o Corpo Físico. O que mantém o Corpo íntegro é o Espírito e o que mantém o Espírito íntegro é a Alma.

Na Morte, o espírito se desprende da carne, a alma se desprende do espírito e ascende ao Sol, em um movimento de circulação que permite, com o tempo, que o caráter solar e terreno do ser humano se juntem. Daí, na mitologia cristã, que após o terceiro dia, Cristo ascendeu ao céu com o corpo físico. Dificilmente isso diz respeito a uma real existência do messias cristão, mas muito provavelmente isso faz referência à ascensão aos céus com os elementos terrenos e celestes em união.

Esse trabalho de união harmoniosa do caráter celeste e terreno do Ser Humano é a Grande Obra Alquímica, ou Pedra Filosofal, dentro da Alquimia Filosófica.

6) E os Espíritos?

Os Espíritos abandonados pela Alma no processo reencarnatório não deixam de existir.

Em primeiro lugar, o Espírito guarda o resultado da interação entre a Alma e a Terra. A personalidade, lembranças e memórias são atributos espirituais. Quando o Espírito é abandonado pela Alma ele deixa de ter o aporte de energia divina que lhe dava vida, e, assim como o corpo físico sem o espírito começa a se desagregar, o corpo espiritual também.

A unidade e integridade do Espírito demanda energia prestada pelas Almas (daí a importância do culto aos ancestrais, nos quais os Vivos doam Vida aos Mortos) ou das Egrégoras (que doam aos Iniciados a Energia dos Vivos, daí a importância das iniciações). Por isso a Casa das Egrégoras, Religiões, Magia e Filosofia (Casa IX) vem imediatamente depois da Casa da Morte (Casa VIII).

Porém, em última instância, os espíritos são criações da Alma e respondem a ela. Por isso O Cristo (a Alma) possui poder sobre os espíritos dos mortos, demônios e o dom de amaldiçoar. Por isso também que no “Juízo Final” (Iluminação) o Cristo (a Alma) chamará os mortos (espíritos das encarnações passadas) para se unirem a ele e entrarem no Céu (saírem da Criação).

O processo de união dos Espíritos à Alma é o processo de união consciente de todas as vidas passadas junto à fagulha divina e desnecessidade de novas encarnações: é o Elixir da Vida Eterna Filosófica.

7) Conclusão.

A Alquimia Filosófica propõe um modelo do amadurecimento da alma para a iluminação e transcendência.

De forma resumida, presume-se que o Sol doa a Alma, a Lua doa o Espírito, a Terra Nutre, e, do processo de circulação entre essas três esferas, ocorre o amadurecimento do Magista que, quando terminado, procede à união de todas as encarnações em uma Unidade apta a passar pelo Teste do Sol e prosseguir à transcendência da Criação.

Esse modelo foi considerado pelos magistas modernos e psicólogos de abordagem junguiana como um procedimento psicológico e metafórico, cuja aceleração pode ser obtida por meio do psicodrama e da reflexão consciente, daí a referência explícita a ele como Alquimia Filosófica.

No texto seguinte, porém, trataremos da Alquimia Operativa, que enxerga a Tábua Esmeralda como método de produção de operações mágicas com o objetivo de acelerar o processo de Transcendência.

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