Da Via Rebellium – Um ensaio sobre Alquimia e Astrologia – Parte III.

No primeiro texto, falei um pouco sobre o modelo cosmogônico astrológico. No segundo texto, falei um pouco sobre o modelo filosófico alquímico. Agora, gostaria de falar um pouco sobre a Alquimia. E pode ser um texto um pouco polêmico.

Desde já, adianto que estou começando a alquimia operativa e que tenho pouquíssima experiência pessoal. Quem tiver algum interesse no tema, em primeiríssimo lugar, recomendo Real Alchemy, do Robert Bartlett. The Alchemist’s Handbook, do Frater Albertus, é um pouco mais aprofundado, mas um pouco mais críptico. Depois desses dois, podem ser iniciados os estudos dos textos clássicos (Paracelsus, notoriamente).

Para a estruturação do Laboratório, eu indico Rubelus Petrinus (que vou sortear para vocês).

1) O Segredo da Alquimia.

A melhor forma de esconder um segredo profundo é atrás de um segredo raso.

Com o advento do iluminismo (e talvez graças à inquisição também), a Alquimia caiu em descrédito. A confecção daS PedraS FolosofaiS (sim, tem mais que uma) se tornou, de repente, algo metafórico. Transformar Chumbo em Ouro virou “transformar o chumbo do egoísmo no ouro da virtude, porque o chumbo é o metal mais denso e o ouro o mais puro”. Alcançar a Vida Eterna virou “sair do ciclo de reencarnação do Samsara”.

Porém, qualquer um que passear pelos livros de química descobre que a densidade do chumbo é 11,3 g/cm³ e a do ouro é 19,3 g/cm³, tornando uma besteira sem tamanho o adágio repetido ad nauseam nos meios esotéricos que o chumbo é o metal mais denso. A esse respeito, ainda, Paracelsus afirma categoricamente que Saturno é a esfera mais elevada e, por isso, contém todas as demais, portanto, o Chumbo contém todos os demais metais, o oposto de afirmar que é o metal mais denso.

Subitamente, então, quem acreditasse na alquimia operativa, com destiladores, bicos de pelicano (pois é, provavelmente essa a origem do pelicano maçônico é o pelicano alquímico), cadinhos e fornos se tornaria um alucinado, “que não entendeu o simbolismo espiritual”.

MEDIEVAL ALCHEMICAL STILL.
The ‘Pelican’ distillation device used by Medieval alchemists. French line engraving, 19th century.

O que não se menciona com muita frequência é que, apesar da linguagem simbólica (“Leão Verde”, “Rei Vermelho”, Nigredo, Rubedo e Albedo, dentre outras), a Alquimia sempre foi EXTREMAMENTE prática, com receitas específicas, ensinando a obtenção e purificação de Sais (que podem ser usados também para fazer sabão), remédios e até mesmo alimentos. Nostradamus tem uma famosa receita de Geléia de Cereja (que supostamente auxiliava a enxergar os espíritos).

A Alquimia é Prática e acessível a todos que se proponham a tal.

2) A Operação Alquímica.

Toda Operação Alquímica pode ser reduzida à Tábua Esmeralda e é análoga à Alquimia Filosófica da Alma Humana.

Como mencionamos no texto anterior, a Alma é a centelha divina eterna e imortal que carregamos. Através do ciclo de reencarnações, amadurecemos a Alma, unimos as virtudes superiores e inferiores até ganhar o direito de transcender a Criação.

Na operação Alquímica, o objetivo é o mesmo, mas com as coisas do mundo dos reinos vegetal, mineral e animal.

De forma simples (e que não responde nada), basta você separar o corpo, o espírito e a alma, purificá-los e reuni-los. Vou usar como exemplo a Alquimia Vegetal, que é a mais simples e acessível.

Na operação espagírica tradicional (e um pouco complexa), escolhe-se a erva com base na virtude planetária desejada, alecrim, por exemplo, para o Sol. Escolhida a erva, fresca, submete-se ela a uma destilação por arraste de vapor, obtendo-se o enxofre alquímico do alecrim (que basicamente é o óleo essencial).

Separado o óleo, guarda-se o alecrim restante da destilação e é necessário separar o espírito do corpo do vegetal (ou o mercúrio alquímico do sal alquímico) e isso se faz com a putrefactio (putrefação). Resumindo, deixa-se o resto da destilação por arraste fermentar.

Terminada a fermentação, separa-se o espírito vegetal do corpo vegetal por meio da destilação (sim, o etanol carrega o espírito vegetal, daí o nome em inglês spirits).

Uma coisa muito importante a esse respeito é que o álcool não é o espírito vegetal/mercúrio alquímico, ele carrega nele o espírito vegetal/mercúrio alquímico. O nome dado à substância que “carrega” o mercúrio ou enxofre de um reino é menstruum e o álcool é um, mas o vinagre é outro.

Feita a separação, pega-se o caput mortum (cabeça do morto), que basicamente é o resto da destilação, e parte-se para a calcinação, que é a queima desses restos até se obter as cinzas brancas do vegetal. Isso é o Sal Alquímico.

Separado e purificado o Enxofre (óleo essencial), o Mercúrio (álcool) e o Sal (Cinzas), procede-se à reunião desses elementos e se coloca em um frasco para amadurecer em um ambiente de temperatura morna (isso é a digestão).

Em tese, portanto, o que se fez foi separar a alma, o espírito e o corpo, purificou-se os três elementos e se reuniu, obtendo-se, em tese, o mais puro do Alecrim, nesse caso, o “Alecrim Perfeito e Vivo”. Tenham em mente que essa é a operação mais simples, sem processos de retificação (purificação do mercúrio) e deliquescência (purificação do sal por meio do orvalho da noite).

3) A Operação Simplificada.

A Operação acima mencionada é a mais tradicional. Eu garanto para vocês que ela é viável (com muito trabalho) com elementos que se têm na cozinha, ou (com gasto) com equipamentos de laboratório acessíveis. Quem não quiser esse trabalho ou esse gasto, pode proceder à operação simplificada.

A operação simplificada tem por fundamento a teoria de que o Mercúrio de um Reino tem afinidade com o Enxofre do mesmo Reino. Ou seja, com álcool etílico (preferencialmente, álcool a mais de 95%) você extrai o enxofre vegetal e o mercúrio vegetal e pode dar seguimento à operação. De forma resumida, com a erva seca se prepara uma acoolatura: coloque a erva seca com o álcool numa garrafa, feche e deixe descansar por pelo menos um mês agitando todos os dias.

Passado esse mês, separe o álcool da erva. Reserve o álcool e proceda à calcinação da erva até ela ficar (pelo menos) cinza.

Terminada a calcinação, una o ácool reservado com as cinzas e deixe descansar, novamente, por pelo menos um mês, agitando todos os dias. Passado esse período, filtre (em filtro de café de papel mesmo) e, voilá, você tem uma tintura alquímica.

Via de regra, o uso se dá misturando três gotas da tintura em água ou vinho e tomando diariamente (obviamente, todos os cuidados com toxicidade devem ser tomados).

4) A Continuidade da Obra.

A Operação mencionada acima é um passinho (mágico) adiante da fitoterapia e das poções tradicionalmente utilizadas. A principal diferença (mágica) entre uma poção regular e uma poção alquímica é que a poção alquímica é viva. Tem alma, espírito e corpo unidos. Frater Albertus afirma que “Alquimia é a arte de elevar a vibração”. Eu, pessoalmente, considero Alquimia a Via da Revolta: o imperfeito deve ser aperfeiçoado.

Além das poções alquímicas, existem as pedras filosofais de cada reino (que supostamente são capazes de separar, automaticamente, o enxofre o mercúrio e o sal e proceder à purificação da matéria daquele Reino), as quintessências, os ens, os vitriols e os preparados mais famosos: o Caminho da Carruagem de Antimônio, o Caminho do Acetato, a criação dos homúnculos e dezenas de outros relatos míticos (que podem ou não ser reais).

O ponto importante a respeito da alquimia operativa é que ela é prática. Ela não é uma metáfora para a evolução espiritual, não tem por objeto o tratamento psicológico ou terapia, ela é literalmente uma Obra, um Trabalho. E o nome diz tudo: é a Grande Obra, não é a Grande Oração, ou o Grande Insight, ou o Grande Amor.

A Alquimia é um ofício, como o do lavrador ou da cozinheira. Obviamente, não se dissocia produto de processo: a mão do bom cozinheiro ou do bom jardineiro muda a comida ou o jardim. Você não faz a Pedra Filosofal sem Ser a Pedra Filosofal.

Como em tantas outras práticas, na Alquimia, menos importante do que o resultado é o processo: os erros e os acertos são uma conversa com o Universo que, com o passar dos anos, revela seus segredos. Mais importante do que transformar o Chumbo em Ouro é se tornar alguém capaz de transformar o Chumbo em Ouro.

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